Relato de experiência - Profª. Flaviana Fagotti Bonifácio

Olimpíada de Língua Portuguesa - Escrevendo o Futuro

RELATO DE EXPERIÊNCIA

COTIL – COLÉGIO TÉCNICO DE LIMEIRA
PROFª. FLAVIANA FAGOTTI BONIFÁCIO
LIMEIRA/SP


Quando nos inscrevemos na Olimpíada de Língua Portuguesa, não tínhamos a mais vaga idéia de como as coisas iriam acontecer, de como o trabalho seria conduzido, de como seria o programa. Mas pensávamos que deveríamos aceitar o desafio, que não poderíamos ficar de fora dessa jornada e assim procedemos.
Ao verem a propaganda da Olimpíada na televisão, os alunos vieram nos consultar e felizmente mostraram-se curiosos e manifestaram o desejo de participar, pois já o fazem também com as conhecidas Olimpíadas de Matemática e Física e vêem nisso uma oportunidade de se auto-avaliarem, já que, na nossa escola, os estudantes almejam uma vaga na universidade ou no mercado de trabalho e reconhecem o valor das oportunidades que, por ventura, possam levá-los a essas conquistas.
No entanto, foi uma surpresa muito grande quando recebemos o material. Não havia perguntas sobre conteúdos da Língua Portuguesa (como chegamos a imaginar), mas tratava-se de um rico trabalho de leitura e de produção de textos. Tratava-se de levar o aluno a ler, a discutir, a debater, a formar e expor seu ponto de vista, utilizando o gênero textual do artigo de opinião.
Chegamos a pensar que talvez não fosse possível cumprir todas as etapas do programa no nosso apertado calendário escolar, com uma grade de apenas quatro aulas semanais de Língua Portuguesa. No entanto, a oportunidade de desenvolver a competência leitora e o poder de argumentação vinha ao encontro de muitos dos nossos objetivos no projeto pedagógico da escola. Lembro-me de que uma das professoras disse: “Programando as oficinas no calendário, dá para ver que vai ser complicado, mas temos que fazer.”
Todos os professores de língua materna de nosso colégio, que se propuseram a trabalhar, consideraram, de imediato, a riqueza do material que nos foi enviado e foram unânimes em dizer que haveria ali uma contribuição muito grande para o desenvolvimento da leitura e escrita crítica. E foi assim que as coisas começaram em julho deste ano.
Desde a primeira oficina tratamos de ler... E tratamos também de muito conversar sobre o material lido. Falamos sobre a finalidade dos textos, sobre os temas, sobre autoria. Naquele momento, penso que, no geral, eles não viam a possibilidade de também ter o seu texto bem articulado, coerente, maduro nas suas argumentações. Sei disso porque muitos se surpreenderam ao ler o texto da aluna Joice Zilli da Silva, de 11 anos, publicado no caderno de atividades em que ela abordava a polêmica instalação de uma mina de carvão em sua doce Içara. Um dos alunos disse: “Ela tem 11 anos e escreve assim? Ela está no Ensino Fundamental e escreve assim? Imagine quando ela estiver no Ensino Médio? Eu não conseguiria escrever o que ela escreveu.” E, de novo, conversamos. Como em outras situações, tivemos que discutir isso melhor. Tive que mostrar a eles que um texto simplesmente não acontece assim num passe de mágica; que há ali trabalho sistematizado, leitura, pesquisa, escrita e, sobretudo, reescrita. E que compreender isso é também parte da aprendizagem.
A maior dificuldade para os alunos esteve mesmo no principal objetivo das oficinas propostas: construir uma argumentação consistente e válida.
Ficou claro, desde as primeiras atividades, que eles sabiam falar sobre as situações de produção do texto, sobre seus objetivos, sobre o público leitor e, porque já havíamos tido outras oportunidades de trabalho com textos dissertativos em outras aulas, no geral, conseguiam marcar os principais argumentos apresentados pelos autores dos textos utilizados nas oficinas. Porém, desde que relacionaram questões polêmicas e assumiram posições contrárias ou favoráveis, esbarraram, muitas vezes, na dificuldade de sustentar o ponto de vista, mesmo quando o faziam oralmente. Nesse sentido, as atividades sugeridas nas oficinas que tinham por objetivo levá-los a construir argumentos, a antever argumentos contrários, a conhecer e usar expressões que articulam o artigo de opinião foram fundamentais. Creio que elas constituíram a melhor parte da Olimpíada.
Assim, fomos trabalhando de acordo com o que era proposto em cada etapa até chegarmos à hora de decidir o tema para o artigo de opinião final.
Como nossa escola recebe alunos de várias cidades da região, por se tratar de um colégio que, além do ensino médio, oferece cursos técnicos, foram surgindo temas muito específicos de um ou outro município. Diante de interesses tão distintos, resolvi agrupá-los por cidades e temas em cada classe e solicitei que trouxessem material de pesquisa para compartilhar e discutir com os demais membros do grupo. Houve debate e divergência de idéias, o que os levou a uma tomada de posição. Só depois disso passaram à produção do texto individualmente.
Ao final, não posso dizer que recebi duzentos e tantos textos exemplares das seis classes com as quais trabalhei, nem jamais tive essa expectativa. Mas posso assegurar que recebi textos de todos os alunos e que houve crescimento para muitos e muitos deles. Com muita propriedade, apontaram o crescimento da cidade de Limeira com a vinda das empresas de jóias folheadas, mas criticaram o despejo de substâncias químicas e metais pesados na rede de esgoto, nos rios e mananciais do município; mostraram a excelência do atendimento nos hospitais públicos de Paulínia, apontando, por outro lado, os problemas de superlotação que enfrentam com a vinda de pessoas de outras cidades que não podem contar com os mesmos serviços onde moram; abordaram a polêmica instalação de radares móveis em Rio Claro; alertaram para a contaminação do Ribeirão Piraí em Salto decorrente da ocupação desordenada das áreas próximas ao local; falaram da nova rodoviária de Campinas e dos problemas advindos com o abandono da antiga estação; posicionaram-se para mostrar os males das queimadas da palha de cana-de-açúcar e o conseqüente desemprego causado pela futura mecanização das colheitas em cidades como Cosmópolis, Iracemápolis, Araras, Piracicaba e diversas outras da região. Desdobraram-se, enfim, em tantos outros temas polêmicos relevantes.
Hoje, ao relatar essas experiências, tentando avaliá-las melhor, acredito que tivemos a felicidade de encontrar fatores que influenciaram muito no sucesso da aprendizagem: boa estrutura, organização, clareza dos objetivos, material de qualidade. Mas creio ainda que tivemos a sorte de contar com um fator principal: boa vontade de todos os envolvidos, sobretudo dos próprios alunos. Temos na nossa escola o privilégio de contar com jovens que querem fazer, que assumem com o professor o desafio de tentar. Não há melhor estímulo ao trabalho do educador.
Em um tempo de descrédito à educação, de apatia e indiferença, é preciso reconhecer momentos como esses: de parcerias, de construção, de crescimento; reconhecer também os esforços feitos para um bem necessário e urgente que é o de fortalecer a educação.
Esta foi sim uma experiência gratificante e enriquecedora, e o saldo mais positivo é o que fica para os alunos: o sentimento de que eles devem tomar partido nas questões que diretamente os afetam; o sentimento de que eles podem agir localmente, podem conseguir influenciar outras pessoas a fazê-lo também, promovendo mudanças sociais, utilizando para isso a linguagem argumentativa dos artigos de opinião.
Limeira, 14 de novembro de 2008.