O Último Pedaço de Pizza - Gustavo Alexandre Crosgnac Fracalossi
- Júlio, vá dormir, querido, você tem aula amanhã! – avisou minha mãe.
Acabei o meu último pedaço de pizza e fui direto pra cama.
No dia seguinte, primeiro dia letivo do 9º ano, acordei como se tivesse dormido cedo, a ansiedade e a alegria de reencontrar os amigos me mantinham acordado. Como era de costume, minha mãe me deixou na porta da escola. Aproveitei a meia hora antes da primeira aula da melhor maneira possível, colocando todas as novidades das férias em dia com o pessoal.
O sinal bateu. Entrei na sala de aula e procurei a cadeira em que costumava me sentar desde o 6º ano: fileira do meio, no meio da fileira. Quase ao mesmo tempo que os alunos, entrou o novo professor, de física, o professor com fama de mau e detentor do respeito de todos os alunos da escola.
- Não acredito que caímos com esse professor, ainda mais na primeira aula da semana. – sussurrou Betina.
- Ele não deve ser tão ruim quanto dizem. – opinou Zeca.
- Silêncio!!! – ordenou o professor A. Nosliw.
- Esquece – disse Zeca.
O professor começou a aula, nem se apresentou, preferiu que conhecêssemos outra “pessoa”, a cinemática.
Já estávamos na metade da primeira das duas aulas de física quando aquele maldito último pedaço de pizza, aquele que eu insisti em terminar, decidiu que precisava sair de qualquer jeito. Decidi agüentar, mas não conseguia. Fechei os olhos por um momento: a dor parecia mais forte. Quando abri os olhos, vi Maria saindo da classe.
- Não acredito, ele deixou a Maria sair? – perguntei a Zeca.
- É, corajosa essa Maria, acho que ele deixa sair a primeira pessoa que pede pela coragem. – brincou Zeca.
Não agüentava mais: a dor era mais insuportável que qualquer bronca que eu viesse a levar, que qualquer banheiro sujo da escola que eu tivesse que usar.
- Sr. Nosliw, posso ir ao banheiro?
- Tem gente lá fora.
- Eu sei, mas e quando ela voltar?
- Ah, não.
- Mas Sr. Nos...
- Chega.
Já estávamos no final da primeira aula, Maria havia voltado e o professor insistia em falar da cinemática enquanto eu suava frio na carteira usando todas as minhas forças para controlar o monstro dentro de mim. Me levantei, caminhei até o Sr. Nosliw e simplesmente falei a verdade:
- Sr. Nosliw, eu realmente preciso ir ao banheiro, é uma emergência.
Ele se curvou e fez um sinal para eu chegar mais perto e me respondeu:
- Então chame os bombeiros.
Nem pude implorar; precisei voltar à carteira, já que era mais fácil agüentar a dor sentado do que em pé. O professor não pensou duas vezes antes de voltar a falar. Me coloquei a pensar em uma maneira de sair, talvez correndo que nem louco... não. Até abrir a porta, o Sr. Nosliw já teria me segurado. Que tal gritar um palavrão na sala de aula para que ele me mandasse para fora? Com o Sr. Nosliw não ficaria só por isso, ele acabaria comigo pelo resto do ano e não me mandaria apenas para fora, com certeza ganharia uma suspensão de uns três dias.
Pensar e segurar aquela dor não era possível. Só de parar aqueles cinco minutos para pensar, a dor tinha ganhado uma enorme vantagem sobre mim. Precisava sair naquele instante. Levantei a mão; o professor foi mais rápido.
- Pare com isso, garoto, parece que está quase cagando nas calças!
- Mas eu pr...
- Essa nova geração não agüenta nem duas míseras aulas, qualquer copinho de água que tomam antes de entrar na sala já é desculpa para sair! Na minha época, nós não tínhamos nem coragem de pedir uma coisa dessas para o professor.
- Professor.
- Vá, vá logo.
- Deixa pra lá, não preciso mais sair.
SOBRE O AUTOR Gustavo Alexandre Crosgnac Fracalossi Turma: 2.1 Ano: 2009 Gustavo cursou Construção Civil, e produziu a arte do blog. |
Uma entrevista de trabalho - Elisa Dell'Arriva
- Roberto Siqueira. – chamou a recepcionista.
O homem dirigiu-se ao balcão, assinou sua presença, e então caminhou até a terceira porta a direita , onde seria sua entrevista. Bateu na porta entreaberta.
- Pode entrar.
O rapaz o fez.
- Com licença, senhor.
- Sente-se, por favor. Alberto, certo?
- Roberto. Roberto Siqueira.
- Claro. Desculpe-me a confusão. São tantos nomes... Enfim, você é publicitário, certo?
- Correto.
- Você já trabalhou em algum lugar?
- Sim. Já trabalhei para a sede brasileira da Coca-Cola Company.
- Isso é bom. Mas por que você não trabalha mais?
- Pedi demissão. Queria começar a trabalhar como publicitário.
- E o que você fazia lá?
- Eu era atendente do SAC via telefone.
- Ah! Percebo. E você já trabalhou em alguma empresa como publicitário?
- Não. Esta é minha primeira tentativa.
- E você já fez algum trabalho independente? Publicou alguma coisa? Como publicitário, lembre-se.
- Eu já fiz histórias em quadrinhos para o jornal da escola quando adolescente. Mas não eram destinados a fins comerciais.
- Sei. Agora... como você pode ajudar a minha empresa na função de um publicitário?
- Como publicitário eu posso melhorar as suas propagandas, torná-las mais atrativas. Assim você conquistará um maior público consumidor, gerando mais lucros...
- Sei, sei. E como você pretende conseguir fazer o que está me dizendo que fará?
- Bem... Caso eu seja contratado, discutirei a melhor solução com a equipe de publicidade da empresa.
- Ah, claro. – o entrevistador respirou fundo e prosseguiu - Caro Siqueira, chegamos ao fim. Lamento dizer-lhe que você não conseguiu essa vaga. Mas agradeço-lhe por tentar.
- Tudo bem. Acontece. – disse o entrevistado. E manteve-se sentado na cadeira, fitando o entrevistador.
- Pois é. Mas continue tentando.
Silêncio.
- Você já pode se retirar. Não tenho mais perguntas.
- Antes que eu vá... – falou o entrevistado – O senhor pode me dizer como chegar até a sala da presidência? Preciso conversar urgentemente com meu avô.
- Seu avô? Na sala da presidência? – questionou o entrevistador, cético.
- É onde fica o presidente de uma empresa, não?
O entrevistador mostrou-se abismado e entrou em profundo silêncio. Parecia assistir a um filme que passava exclusivamente em sua cabeça.
- Não tem problema. Eu pergunto para a recepcionista.
Roberto pronunciou tais palavras e começou a andar vagarosamente em direção a porta. Foi somente quando já estava com a mão na maçaneta que ouviu de novo a voz do entrevistador. Soava um pouco receosa.
- Sr. Siqueira. Espere um minuto. Surgiu uma outra vaga para publicitário na equipe no departamento cinco. Interessa-lhe?
SOBRE O AUTOR Elisa Dell''Arriva Turma: 2.3 Ano: 2009 Elisa está cursando o 2º ano do curso de Informática. |
Uma chamada mal entendida - Lucas Schiolin Silveira
Era quarta-feira, à tardezinha. Estava em uma reunião importante, resolvendo pendências, mas tudo dentro da simples normalidade. Eis que entra afobada (e como sempre, descabelada), a secretária:
– Seu Nunes! Seu Nunes!
Pedi licença, retirei-me da reunião, e fomos até o hall. Algo me dizia que aquilo não era boa coisa. Disse:
– Acalme-se, Sandra! Sente-se, respire fundo e diga-me: o que aconteceu?
– Ai, Seu Nunes! Seu filho se machucou e foi para o hospital.
– Meu Deus! Explique isso direito!
– Sua mulher ligou. A ligação estava ruim. Ela queria falar com o senhor e eu disse que não era possível porque estava em reunião. Então ela me pediu para passar o recado: ”O menino caiu do escorregador e foi levado para o hospital”. Depois a ligação caiu.
Fiquei transtornado. Meu filho estaria bem? Sabia que não devia tê-lo colocado na pré-escola. Ele só tem três anos! Liguei para a escola e perguntei:
– Sou o pai do menino que se machucou no escorregador, e quero saber para onde ele foi levado.
– Ele foi levado para o N. Senhora de Lourdes, aqui no bairro São Marcos. Mas pode ficar tranqüilo, Seu Nor...
Não esperei terminarem de falar, e desliguei o telefone. Estava desesperado. Corri para o carro, e fui até o hospital. Estranhei não ver minha mulher lá. Encaminhei-me certeiramente ao Pronto-Socorro e perguntei:
– Eu sou o pai de Tiago Nunes, menino de três anos, que chegou aqui após ter se machucado. Onde ele está?! Está bem?!
– Acalme-se senhor. Primeiro eu gostaria de ver seu RG, e então...
– SENHORA! – interrompendo-a – Depois eu resolvo essas burocracias! Agora, me diga: onde está o meu filho!
– Se o senhor não se acalmar, vou ter que chamar a segurança!
– Mas é só a senhora me dizer onde está o...
– Segurança!
Não teve jeito. Mesmo gritando, e dizendo poucas e boas, fui levado à porta do hospital. Tentei entrar novamente, mas não me deixaram. Então peguei o celular liguei para casa. Minha mulher, calmamente, atendeu. Eu disse:
– Estou aqui no hospital... O que aconteceu com o Tiago? Por que você não está aqui?
– Como assim? Do que você está falando?
– Ora! O menino não se machucou na escola?
– Não! Ele está aqui em casa. Não quis ir hoje. Eu liguei lá para avisá-los e a Sônia, secretária da escola, me disse que o filho do Norberto tomou um tombo e foi para o hospital. Eu acho que devemos...
Interrompendo, eu disse:
– Mas você ligou na empresa dizendo que “o menino caiu do escorregador e foi levado para o hospital”!
Ela riu, e disse:
– Eu falei à secretária que “Seu Firmino achou o encanador que tinha consertado a cozinha do Aderbal”.
Aliviei-me. Lembrei que o cano da cozinha havia estourado, e Seu Firmino, o síndico, iria encontrar um encanador. Tudo não passava de um mal-entendido. Voltei para casa tranqüilo, pensando em uma desculpa para dar ao meu chefe, por ter saído daquela reunião importante.
SOBRE O AUTOR Lucas Schiolin Silveira Turma: 2.1 Ano: 2009 Lucas cursou Informática e fez parte da equipe responsável pelo Blog |
Não importa, é virose - Giulia Cristina Ortolan
- 506
- Sou eu – gritou.
Ela encaminhou-se então para sala do médico. Entrou, sentou-se e olhou logo para o crachá do médico onde se lia “Dr. Batista”.
- Então doutor, eu estou...
- É virose!
- Mas doutor, eu sequer contei o que estou sentindo.
- Não importa, é virose. Está comprovado que 90% das pessoas que passam por aqui se curam com remédios para virose. Vou lhe receitar um!
- Mas doutor, eu estou preocupada!
- Ora, preocupada com o quê? Uma moça jovem como você provavelmente tem a saúde em dia, não precisa analisar, é virose!
- Mas como o senhor pode ter certeza se eu ainda não lhe contei quais são os meus sintomas?
- Tudo bem, se faz tanta questão diga quais são eles.
- Bom, eu amanheci com febre alta, sinto dor na garganta e...
- Como eu disse! Virose.
- Mas doutor, não estou com diarréia nem vômitos, eu estou com os sintomas da gripe suína.
- Já lhe disse que se trata apenas de uma virose,
- Mas e se eu estiver com a gripe do porco?
- Não está!
- Como tem certeza? Não fiz nenhum exame até agora.
- A senhora está doida? Eu lhe digo que é apenas uma virose e a senhora insiste em ter uma doença mais grave.
- Doido está o senhor que insiste que tenho virose!
- E é o que a senhora tem, agora pegue esta receita, vá à farmácia e compre seu remédio.
Lourdes pega o papel e sai em disparada, nervosa com o médico.
-507 - chamou a secretária.
O próximo paciente encaminhou-se para a sala do médico.
- Então doutor, eu estou com uma dor nas costas e...
- Já sei, é virose!
SOBRE O AUTOR Giulia Cristina Ortolan Turma:2.1 Ano: 2009 Giulia está cursando o 2ºano de Qualidade e Produtividade. |
Depoimento da equipe do Blog
As nossas decisões sobre o desenvolvimento do blog, a partir da idéia da professora Flaviana, foram tomando forma nos intervalos das aulas, pela internet com e-mails e MSN e pelo telefone, em pouco mais de um mês, com muito esforço e dedicação não só da equipe, mas também da classe nomeada para acompanhar a criação.
Para que o serviço não pesasse para um só, tudo foi dividido entre a equipe. Alguns alunos ficaram com a criação do blog em si, outros com as postagens, um com ilustração, outros com divulgação, preparação da festa de lançamento entre outras tarefas.
A interação do grupo ficou maior, conseguimos superar algumas barreiras, compartilhar idéias e aprender a trabalhar a Internet, hoje tão banalizada, como fonte de cultura e aprendizado.
Estamos animados com essa nova oportunidade. O blog será uma ferramenta a mais de trabalho, uma forma de incentivo à redação e uma maneira de não deixar que se apaguem os bons textos produzidos por nós, alunos do COTIL.
Agora, é com a gente, mostrando que realmente também sabemos escrever.
SOBRE OS AUTORES Carolina Carneiro de Freiras e Alex Bruno Gusmão Turma: 2.1 Ano: 2009 Carolina e Alex são alunos do curso de Construção Civil e fazem parte da equipe responsável pelo Blog. |
Equipe do Blog - 2.1D:
Alex Bruno Gusmão - CCD
Carolina Carneiro de Freitas - CCD
Gustavo Fracalossi - CCD
Lucas Schiolin Silveira - INFD
Jéssica Lima de Godoi - QPD
João Gabriel Affonso - INFD
Relato de experiência - Profª. Flaviana Fagotti Bonifácio
RELATO DE EXPERIÊNCIA
COTIL – COLÉGIO TÉCNICO DE LIMEIRA
PROFª. FLAVIANA FAGOTTI BONIFÁCIO
LIMEIRA/SP
Quando nos inscrevemos na Olimpíada de Língua Portuguesa, não tínhamos a mais vaga idéia de como as coisas iriam acontecer, de como o trabalho seria conduzido, de como seria o programa. Mas pensávamos que deveríamos aceitar o desafio, que não poderíamos ficar de fora dessa jornada e assim procedemos.
Ao verem a propaganda da Olimpíada na televisão, os alunos vieram nos consultar e felizmente mostraram-se curiosos e manifestaram o desejo de participar, pois já o fazem também com as conhecidas Olimpíadas de Matemática e Física e vêem nisso uma oportunidade de se auto-avaliarem, já que, na nossa escola, os estudantes almejam uma vaga na universidade ou no mercado de trabalho e reconhecem o valor das oportunidades que, por ventura, possam levá-los a essas conquistas.
No entanto, foi uma surpresa muito grande quando recebemos o material. Não havia perguntas sobre conteúdos da Língua Portuguesa (como chegamos a imaginar), mas tratava-se de um rico trabalho de leitura e de produção de textos. Tratava-se de levar o aluno a ler, a discutir, a debater, a formar e expor seu ponto de vista, utilizando o gênero textual do artigo de opinião.
Chegamos a pensar que talvez não fosse possível cumprir todas as etapas do programa no nosso apertado calendário escolar, com uma grade de apenas quatro aulas semanais de Língua Portuguesa. No entanto, a oportunidade de desenvolver a competência leitora e o poder de argumentação vinha ao encontro de muitos dos nossos objetivos no projeto pedagógico da escola. Lembro-me de que uma das professoras disse: “Programando as oficinas no calendário, dá para ver que vai ser complicado, mas temos que fazer.”
Todos os professores de língua materna de nosso colégio, que se propuseram a trabalhar, consideraram, de imediato, a riqueza do material que nos foi enviado e foram unânimes em dizer que haveria ali uma contribuição muito grande para o desenvolvimento da leitura e escrita crítica. E foi assim que as coisas começaram em julho deste ano.
Desde a primeira oficina tratamos de ler... E tratamos também de muito conversar sobre o material lido. Falamos sobre a finalidade dos textos, sobre os temas, sobre autoria. Naquele momento, penso que, no geral, eles não viam a possibilidade de também ter o seu texto bem articulado, coerente, maduro nas suas argumentações. Sei disso porque muitos se surpreenderam ao ler o texto da aluna Joice Zilli da Silva, de 11 anos, publicado no caderno de atividades em que ela abordava a polêmica instalação de uma mina de carvão em sua doce Içara. Um dos alunos disse: “Ela tem 11 anos e escreve assim? Ela está no Ensino Fundamental e escreve assim? Imagine quando ela estiver no Ensino Médio? Eu não conseguiria escrever o que ela escreveu.” E, de novo, conversamos. Como em outras situações, tivemos que discutir isso melhor. Tive que mostrar a eles que um texto simplesmente não acontece assim num passe de mágica; que há ali trabalho sistematizado, leitura, pesquisa, escrita e, sobretudo, reescrita. E que compreender isso é também parte da aprendizagem.
A maior dificuldade para os alunos esteve mesmo no principal objetivo das oficinas propostas: construir uma argumentação consistente e válida.
Ficou claro, desde as primeiras atividades, que eles sabiam falar sobre as situações de produção do texto, sobre seus objetivos, sobre o público leitor e, porque já havíamos tido outras oportunidades de trabalho com textos dissertativos em outras aulas, no geral, conseguiam marcar os principais argumentos apresentados pelos autores dos textos utilizados nas oficinas. Porém, desde que relacionaram questões polêmicas e assumiram posições contrárias ou favoráveis, esbarraram, muitas vezes, na dificuldade de sustentar o ponto de vista, mesmo quando o faziam oralmente. Nesse sentido, as atividades sugeridas nas oficinas que tinham por objetivo levá-los a construir argumentos, a antever argumentos contrários, a conhecer e usar expressões que articulam o artigo de opinião foram fundamentais. Creio que elas constituíram a melhor parte da Olimpíada.
Assim, fomos trabalhando de acordo com o que era proposto em cada etapa até chegarmos à hora de decidir o tema para o artigo de opinião final.
Como nossa escola recebe alunos de várias cidades da região, por se tratar de um colégio que, além do ensino médio, oferece cursos técnicos, foram surgindo temas muito específicos de um ou outro município. Diante de interesses tão distintos, resolvi agrupá-los por cidades e temas em cada classe e solicitei que trouxessem material de pesquisa para compartilhar e discutir com os demais membros do grupo. Houve debate e divergência de idéias, o que os levou a uma tomada de posição. Só depois disso passaram à produção do texto individualmente.
Ao final, não posso dizer que recebi duzentos e tantos textos exemplares das seis classes com as quais trabalhei, nem jamais tive essa expectativa. Mas posso assegurar que recebi textos de todos os alunos e que houve crescimento para muitos e muitos deles. Com muita propriedade, apontaram o crescimento da cidade de Limeira com a vinda das empresas de jóias folheadas, mas criticaram o despejo de substâncias químicas e metais pesados na rede de esgoto, nos rios e mananciais do município; mostraram a excelência do atendimento nos hospitais públicos de Paulínia, apontando, por outro lado, os problemas de superlotação que enfrentam com a vinda de pessoas de outras cidades que não podem contar com os mesmos serviços onde moram; abordaram a polêmica instalação de radares móveis em Rio Claro; alertaram para a contaminação do Ribeirão Piraí em Salto decorrente da ocupação desordenada das áreas próximas ao local; falaram da nova rodoviária de Campinas e dos problemas advindos com o abandono da antiga estação; posicionaram-se para mostrar os males das queimadas da palha de cana-de-açúcar e o conseqüente desemprego causado pela futura mecanização das colheitas em cidades como Cosmópolis, Iracemápolis, Araras, Piracicaba e diversas outras da região. Desdobraram-se, enfim, em tantos outros temas polêmicos relevantes.
Hoje, ao relatar essas experiências, tentando avaliá-las melhor, acredito que tivemos a felicidade de encontrar fatores que influenciaram muito no sucesso da aprendizagem: boa estrutura, organização, clareza dos objetivos, material de qualidade. Mas creio ainda que tivemos a sorte de contar com um fator principal: boa vontade de todos os envolvidos, sobretudo dos próprios alunos. Temos na nossa escola o privilégio de contar com jovens que querem fazer, que assumem com o professor o desafio de tentar. Não há melhor estímulo ao trabalho do educador.
Em um tempo de descrédito à educação, de apatia e indiferença, é preciso reconhecer momentos como esses: de parcerias, de construção, de crescimento; reconhecer também os esforços feitos para um bem necessário e urgente que é o de fortalecer a educação.
Esta foi sim uma experiência gratificante e enriquecedora, e o saldo mais positivo é o que fica para os alunos: o sentimento de que eles devem tomar partido nas questões que diretamente os afetam; o sentimento de que eles podem agir localmente, podem conseguir influenciar outras pessoas a fazê-lo também, promovendo mudanças sociais, utilizando para isso a linguagem argumentativa dos artigos de opinião.
Recolhendo as cinzas - Ricardo Vilhar Peretti
A questão das queimadas, que durante muito tempo esteve esquecida, voltou à tona após a aprovação de uma polêmica lei estadual que prevê a redução gradativa do uso de fogo nos canaviais até 2021 para áreas planas e até 2031 para as de maior declive. A lei paulista atinge diversas cidades do Estado, cujas economias estão atreladas à produção de açúcar, produto que tem o Brasil como maior exportador mundial.
Por um lado, os defensores das queimadas alegam que essa prática facilita o trabalho de corte para os bóias-frias, aumentando a produtividade e, conseqüentemente, a remuneração desses trabalhadores. Além disso, a falta de condição dos pequenos agricultores cosmopolenses impossibilita a compra de equipamentos sofisticados que dispensam o uso de fogo.
Entretanto, apesar das dificuldades encontradas, a substituição das queimadas pelas máquinas de corte de cana torna-se indispensável, visto que os malefícios desse procedimento são incalculáveis. Primeiramente, podemos citar a poluição atmosférica como fator extremamente negativo, já que a fuligem e outras partículas lançadas no ar, quando inaladas, provocam vários problemas respiratórios e reações alérgicas, prejudicando muito a população, sem contar os altos gastos para o Sistema Único de Saúde decorrentes das inúmeras internações. Outro ponto de destaque é o empobrecimento do solo, que tem seus nutrientes evaporados e todos os microorganismos de reciclagem da matéria orgânica mortos.
Só as vantagens ambientais já são suficientes para demonstrar a necessidade do fim das queimadas. Contudo, existe um aspecto social em jogo: o que fazer com bóias-frias desempregados pela mecanização das plantações? É a partir desse entrave que os governantes devem mostrar competência, recolocando-os gradativamente em empregos formais, com carteira assinada e direito a aposentadoria, algo que eles atualmente não possuem. Da mesma forma, o Estado poderia oferecer subsídios fiscais aos pequenos produtores e auxiliá-los na formação de cooperativas agrícolas, o que facilitaria a aquisição de máquinas e outras tecnologias.
Há mais de 50 anos que não existem grandes mudanças nas técnicas de colheita da cana-de-açúcar. Está na hora de investir em melhoria dos maquinários ou nas condições de trabalho, e não mais na diminuição de custos como muitos ainda fazem. Essa lei significou um grande passo em prol do bem-estar da sociedade e preservação do meio-ambiente e terá seus benefícios como prova de que foi a melhor decisão tomada. E assim esperamos que um dia não haja mais cinzas que ofusquem as belezas de Cosmópolis.
Premiação da OBLP 2008
SOBRE O AUTOR Ricardo Vilhar Peretti Turma: Ano: 2008 Ricardo foi medalhista de Bronze na Olimpíada de Língua Portuguesa em 2008 |