Narrativa UNICAMP 2008 - Cláudia Maria Coleoni

Saí do consultório médico abalada. Minha mente divagava, passeando por aquele infindável corredor, esquivando-se, desajeitada, das barreiras que a vida acabara de me impor, tentando esquecer o que definitivamente faria parte de mim a partir daquele momento. Meus passos eram indefinidos e pareciam me levar a lugar algum. Aliás, desejei não ter de ir a lugar algum. Desejei estar sonhando. Desejei não existir, mas existia. E precisava lutar para continuar existindo.

Sentei-me num canto da sala de espera, isolada, com minha nova realidade em mãos, sem acreditar no que via. Reli em voz alta: “AIDS”. Aquela palavra fez o tempo parar, fez meu mundo desmoronar, fez-me querer fugir de mim mesma, correr para o passado, mudá-lo. Senti minha garganta apertar, o fôlego esvair. O som daquelas letras aos poucos foi me consumindo, impregnando meus pensamentos. “O que meus pais pensarão de mim? E os meus amigos? O que será de minha vida agora?”. As dúvidas pairavam e as incertezas crescentes me fizeram estremecer. Nunca temi tanto o amanhã como temi naquele dia.

O primeiro empecilho encontrava-se na minha própria casa. Ao chegar do médico, subi apressadamente as escadas em direção ao meu quarto. Bati a porta com força e pus-me a chorar, desolada. Meus pais subiram logo em seguida, aflitos, querendo saber o que acontecera. “Tenho AIDS, tá legal? A-I-D-S!”, gritei em meio aos meus soluços.

Não gostaria de ter ouvido o que ouvi de meu pai logo em seguida, mas foi inevitável. “Nossa filha é uma… promíscua?”. Minha mãe nada disse e, a partir daí, só ouvi choros e o inconformismo de meu pai, que não admitia tal situação, questionando-se da minha desatenção para com as informações sobre a AIDS, já tão difundidas. Como se não bastasse, meu pai pôs-se a reclamar dos gastos que teria com o tratamento da minha doença. Não seria fácil, disso eu bem sabia. Em meio a essa turbulência toda, sentia-me a vilã da história, assumindo o papel que deveria ser da AIDS. Meus pais não conseguiam encontrar nenhum outro culpado além de mim e isso me frustrava. Parte da pequena esperança que ainda habitava meu ser evaporou e se perdeu naquela atmosfera de insegurança que rapidamente se formou ao meu redor.

Se em casa não encontrei apoio, na universidade não foi diferente. Quando as pessoas se deparavam com minha decadente figura, não viam a mim, mas a um monstro. Eu era o HIV personificado, envolto por uma nuvem de preconceitos. Afastavam-se de mim como se um aperto de mão, um beijo, um abraço ou até mesmo um olhar fosse contagiante. Formulavam as mais diversas teorias de como eu havia adquirido o vírus, ridicularizando-me, atropelando meus sentimentos e minha fragilidade humana. Ninguém compreendia que o vírus era o transmissor e não eu. Era como se o mundo todo estivesse encoberto por uma camisinha que barrava a mim e não a doença; que me excluía ao invés de me incluir; que dava voz aos outros e não a mim; que me fazia desacreditar na possibilidade de reabilitação da minha saúde algum dia.

Caminhando de volta para casa, reparei no pôr-do-sol que se iniciava na linha do horizonte, lindo, imponente, único. Nunca o havia visto sob aquele ponto de vista… Deixei a luz penetrar minha vida sombria, impotente e vazia, trazendo uma mistura de certeza com traços singelos de paz e esperança ao meu ser. Subitamente, percebi: eu precisava mudar meu ponto de vista em relação a mim mesma. Enquanto me deixasse levar pelos comentários que as pessoas faziam, jamais mudaria meu mundo. Estava na hora de esquecer os preconceitos, iniciar meu processo de autoaceitação; acreditar que o sol nasceria mesmo em meio a minha maior escuridão; cultivar aquela luz; transcendê-la através do tempo, deixá-la colorir as páginas indefinidas do meu futuro, transformando pacientemente minha desesperança em fé e meu medo em esperança.
Amanheceu minha vida.


Veja aqui a Proposta de Redação UNICAMP 2008


SOBRE O AUTOR
Cláudia Maria Coleoni
Turma: 2.3 Ano: 2009